quarta-feira, 27 de agosto de 2008

jardins

Sentou na cadeira e começou a cortar. Os cabelos, sem corte há tempos - não lhe restavam horas, não lhe restava dinheiro -, passados por entre os dedos, nas manhãs-tardes de ressaca no sofá. Cortou os pés que caminhavam pela grama, ao lavar o carro imundo de lama daquele poço de onde vinha todos os dias, onde sugava e jogava sua vida de uma corda repleta de nós. Enquanto isso ela se mantinha em frente ao fogão, a vida toda escrita nas mãos em cortes e cicatrizes sem cura. Dizia-se pura, até quando - momento ao qual lograram à ele certa loucura - ele se viu perdido em uma vontade incurável de mergulha-la naquele poço, com a corda enroscada ao pescoço. Os nós perfurando a pele dela, enquanto ele ejaculava e se deliciava de um prazer inocente. Sua única felicidade acabou quando seus pulsos seguravam o ar, e ela seguia caindo por aquele imenso buraco. Sobraram a ele, os olhos imensos e brancos, dispersos por aquele buraco tão fundo, mas tão fundo, que só não era maior do que o que afirmava carregar no corpo.
Embebedou-se daquela porra toda, enquanto ela se arrastava pelos cantos do quarto. Quando acendeu a luz, não havia ninguém. Entre aquelas paredes só restava uma sombra consumida pela culpa. Sobravam-lhe cinco anos da conta que tinha feito aos 35. Foi só o tempo de imendar as feridas, e do fio soltar-se logo que admitiu - não tinha culpa - era o carro mal lavado, o serviço mal pago. Arrastou o fio pelas veias, para encontrar-se no gelo que lhe parecia familiar.

Nenhum comentário: