sábado, 30 de janeiro de 2010

Palimpsesto

Na boca um sabor de memória
como as paredes daquela casa fazem
quando fecho as portas e me vejo dentro
dentro de outro tempo,
dentro de outra casa,
dentro de mim.

Me desfaço em espaços de tempo...
e às vezes alimento até um certo receio de me perder.

Desnudo a minha pele
como um palimpsesto.
E de repente é tudo exposto...

Veias, artérias, cicatrizes
das mais fundas
das mais carregadas
cheiro
gosto
tato

Tato doce e lento
como eu sempre caminho pelas coisas
Um dia, um amor me disse que eu penetrava as coisas com a pele
mas lento, bem lento...
como se elas pudessem ficar guardadas no tempo.
Eu agarro as coisas no tempo das coisas
mas elas permanecem no infinito...

Os lugares vibram, mas alguns são tão secos...
E doem fundo em nós.

Parede cor de tomate maduro rasgando...
Vê, vê ali as cicatrizes da parede: palimpsesto.

Palha seca,
Porta rasgada da memória,
Que eu entro e me perco.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Queria me espremer, me esconder no canto, só pra não ser o alvo e párar de acumular um pouco tantas feridas. Tento tanto, que até esqueci o que você formou em mim. Ficou tão breve.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Parece que aqueles olhos de fogos avançam sobre o corpo e queimam dentro da gente.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

é, pois é, é.

É a falta de entrega.
Não, não é a falta de entrega.
É a falta de rumo.
Não, não é a falta de rumo.

é a dúvida.
e só, a dúvida, entendeu?

A dúvida que bate na mente, enquanto há paz, mas não há paz.
São os cacos batendo e batendo e tentando dizer o que fazer enquanto está tudo confuso ou claro demais.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Eu me seguro nas pontas dos dedos, mas continuo de pé.

Eu sei que o mar não vai curar. Eu sei que as noites agitadas, iluminadas e cheias de riso não vão curar. Eu sei que as ruas, as praças e vários outros lugares vão ser sempre cheios de marcas. Que alguns lugares podem carregar espinhos que ferem exatamente as cicatrizes mais profundas. Que os sonhos vão carregar as coisas pra perto de mim denovo, tudo que eu afasto da minha mente para não pensar, porque dói e faz um corte tão profundo, que nessas horas meu respiro é fraco e a minha garganta seca. Eu fico pensando naquela frase "não vai passar, mas vai melhorar" e eu sei que é sempre assim. A dor às vezes não precisa de chuva pra latejar tanto, ela só vem e dorme agarrada na gente e nem água pode fazer ela sumir. Mas eu sei que logo venta e ela poderá adormecer longe de mim.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Peito de ferro.

As dezenas de pessoas ao redor, a música pulsando tão forte no corpo, envolvido em suor, no meio da fumaça e da luz que gira e ilumina as dezenas de rosto no mesmo movimento, no mesmo espaço, respirando o mesmo ar. O ar que me falta e que não é lá que eu vou conseguir encontrar.
Segurou a minha mão e me disse que não é lugar para sentir o aperto no peito. É o último lugar para se sentir aperto no mundo inteiro. Aperto a gente sente quando o peito dói uma dor seca e intensa depois de tanto que a vida escorreu pelo corpo, depois de ter vibrado tanto e ter girado tanto, aperto é dor de perda. É sentir diferente desse meio que só é meio porque está todo mundo no meio da roda e ninguém consegue ver o que acontece por fora. Ninguém enxerga as dores que escorrem pelo chão enquanto todos dançam.

"Na vocação para a vida, está incluído o amor, inútil tentar disfarçar, amamos a vida. Lutamos por ela dentro e fora de nós mesmos. Principalmente fora, que é preciso um peito de ferro para enfrentar essa luta na qual entra não só o furor mas uma certa dose de cólera, furor e coléra. Não cortaremos os pulsos, ao contrário, costuraremos com linha dupla todas as feridas abertas. E tem muita ferida."
(Lygia Fagundes Telles)