domingo, 29 de março de 2009

recortes de alguma noite.

Eu amo, como eu amo todas as cores que explodem de você. Como eu amo quando eu piso verde, quando a água escorre, como algo acontece e existe por processo natural e vem assim explodido e calmo diante dos meus olhos. Porque amor pra mim foi sempre algo leve, de toque, de coisas que respiram assim uniformes por algum tempo.
Se alguém pode estar vivo na mais intensa forma de se dizer vivo, é porque respira puramente o que quer. Ou algo que move. Ou vê sentido em alguma coisa que lhe "diga" e lhe dê espaço.
Eu amo os nosso machucados e os odeio também. Tenho sede, cada vez mais sede de estar longe, de viver o seio da terra fresca. Sem essa merda toda que querem me dar.

sexta-feira, 20 de março de 2009

vede o dia.

Jogai-mos no dia, afundai-nos nesse dia. Ele se joga sobre nós e nos afundamos de corpo inteiro, alma inteira, o caralho que alguém tentar descrever. Mas jogue-se ao dia, como nunca, não mais como ontem, vá lá se saber como amanhã. Quero mergulho profundo, que afogue as cabeças, que flutue no ar e arranque os pedaços malditos que se sobrepõe a pele, espalha esse gozo pelo dia. Não há absolutamente nada e é absoluto dizer como isso é pele sobre pele. Arranca-lhe o coração e com ele tão apertado dentro da mão, esfrega-o sobre a pele. Sente ele e sente o dia, no respiro. Come o dia inteiro pra dizer que enfim é parte dele.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Vamos lá a um tapa das coisas reais.

quarta-feira, 11 de março de 2009

cuidado descuidado;

Peito aberto, solta-se um pouco dos cânceres. Coração aberto tem que olhar pra fora. Afinal é tanto. Sem suspiros, respira, enxerga, faz. Um coração frustrado pode acabar com milhares de outros. Umas tantas sintonias. Inventa um quadro feio e vira descuido. Às vezes é tanto olhar, que a gente descuida, de olhar dentro. Me perdoa, coração. Ventas aí e venta em mim também. Inventei o quadro bonito e me perdi nos pincéis, te encontro ali fora. Quero o meu bem refletido, reflexo de espelho e não de vidro quebrado. Me perdoa, coração. Vamos colocar os caminhos nos pulsos. Esse sangue que jorra é meu. Essa culpa que espalha é minha.

domingo, 8 de março de 2009

Eu sei, mas não devia

(Marina Colasanti)

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

sábado, 7 de março de 2009

me diz o que é ser feliz.

te digo um caminho branco e desnudo. te digo um caminho cego.
descobri que a paz é caminho, que eu sou caminho...
hoje eu sou meu quadro borrado, amanhã nem mais sei...
volúvel, volátil, volante...
meu coração me perdooa por esse leve descuido, mas eu vou me perder denovo...

eu tô um pouco esse pedaço torto, e minha alma insiste em voar... me procura um dia, pois talvez eu não ligue.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Elas existem.

“O mundo é muito vasto, muito complexo e muito fugaz para ser apreendido diretamente. Nós não estamos equipados para lidar com tanta sutileza, com tanta variedade; com tantas permutações e combinações. Temos que reconstruí-lo num modelo simples antes de lidar com ele. Para percorrer o mundo os homens têm que ter mapas do mundo.”

A crise sugere um esgotamento dos mapas. É preciso ultrapassar o reducionismo econômico e político, ambos desenhados pelo individualismo, ambos privilegiando uma visão da sociedade como um mero resultado de conjuntos de decisões individuais, para ver o mundo como um conjunto feito de partes interligadas. Para redescobrir que tudo o que fazemos afeta os outros. O individualismo nega esse fato, mas as suas conseqüências – a crise ecológica e a sua irmã gêmea, a crise financeira – obrigam a ver a relação entre a parte e o todo. Entre o lixo e o luxo. Entre um consumo conspícuo que promove os estupros sociais dos 500 pares de tênis dos moradores dos Jardins e do Leblon, por oposição ao prato de feijão que falta na mesa dos nordestinos. Estupro reiterado no luxo que produz continentes de detritos, em vez das velhas latas de lixo. É essa presença incômoda de limites não ideológicos e extrapolíticos que caracteriza a crise que vivemos. E a crise, por sua vez, aponta para um mundo vasto, complexo, sutil e carente de novos modos e mapas.

Fonte: http://www.akatu.org.br/

Descobrindo fontes recomendáveis de notícias, e (ufa!) com uma visão mais complexa do que vemos por aí sobre a crise. Vale a pena: Akatu e a Carta Maior.