quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Espetáculo natural

São tantas explosões e flashes por segundo no céu
de passagem de ano que se tornou impossível vislumbrar a
Madrugada de Ano-Novo chegando, mansinho,
e aninhando-se no leito ainda quente do velho céu
embriagado.
Os estouros assustam os animais e as crianças pequenas,
que nunca viram guerra, senão de chocolate, nos sonhos.
E o mundo, que já viu tantas, acostumou-se com esse barulho tão semelhante ao das guerras?
Eu também me assusto: quero antes barulho de chuva
caindo sobre o telhado.
As estrelas cadentes estão indignadas
com suas concorrentes artificiais e negam-se
a cair sobre esse mundo decadente.
E talvez, quem sabe, a Madrugada de Ano-Novo, assustada,
criança, fuja para as fazendas etéreas
para se esconder debaixo dos braços de Deus.
E talvez os anos passados estejam reciclando-se,
já há muito, para substituí-la e estejamos
arrastando nossas vidas ao redor de um círculo vicioso
que avança e recua, progride e regride,
como sobre uma esteira que ao chegar ao término
volta ao ponto inicial de um mesmo ano,
cada vez mais velho e ultrapassado.
Mas o que aqui proponho são apenas mitos.
O que aí está são ritos, vícios, artíficios!
Já que não podemos ver o espetáculo natural no céu,
por favor, não passemos a virada do ano olhando artíficios.
Olhemo-nos nos olhos,
pois que ela, a Madrugada de Ano-Novo,
neles sim, aninha-se e bota um ovo.

de Ricardo G. Dias.

Retirado de "Caminhos da Fortuna", livro infantil escrito por Ivan Fortunato e ilustrado por Ricardo Gracindo Dias.

Nenhum comentário: